A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Assembléia Legislativa do Maranhão realizou ontem, quinta-feira, 24, reuniões nas cidades de Campestre do Maranhão e Porto Franco, na região sul do estado, com o objetivo de acompanhar de perto as investigações sobre o caso envolvendo a morte da jovem Tamires Pereira Vargas, de 19 anos, encontrada morta em um corredor da delegacia de Porto Franco, na madrugada do dia 8 para o dia 9 de março deste ano.
Composta por Eliziane Gama (PPS), Gardênia Castelo (PSDB), Antonio Pereira (DEM) e Edson Araújo (PSL) e ampliada com a participação dos deputados da região, Valéria Macedo, Carlos Amorim (PDT) e Léo Cunha (PSC), a Comissão desembarcou em Imperatriz logo nas primeiras horas da manhã, seguindo direto para Porto Franco, onde foi recebida pelo prefeito Deoclides Macedo (PDT), vereadores e demais autoridades do município.
Na cidade, os deputados fizeram uma visita à delegacia, verificando in-loco o local onde aconteceu o suposto enforcamento da garota e ouviram alguns presos que se encontravam numa cela próxima ao local no dia do sinistro que tanto causou indignação da população da região.
Em seguida, no plenário da câmara municipal, onde aconteceu uma audiência pública, a Comissão ouviu os policiais militares Luís Soares Filho (Cabo), Honório Alves de Sousa Neto (Soldado), e Raison (Soldado) que fizeram a prisão de Tamires, o Carcereiro Luiz Magno e o delegado Jackson Farias de Jesus que estavam de plantão na delegacia e o detento Milton Milhomem dos Santos, o “Helicóptero”, que estava dormindo sozinho no corredor e teria deixado uma corda de rede pendurada lá, que serviu para o enforcamento da jovem.
Além destes, também prestaram esclarecimentos o delegado responsável pelo inquérito, Antonio Luís Gomes Pereira e o médico diretor do IML de Imperatriz, Alair Batista Firminiano. Os médicos José Neto e Jorge Anchieta que fizeram o laudo cadavérico não foram ouvidos.
Ainda ontem no meio da tarde de quinta (24), entrando pela noite, a Comissão realizou também audiência pública em Campestre do Maranhão, quando os parlamentares ouviram amigos, familiares e testemunhas que presenciaram a prisão de Tamires e ouviram ainda denúncias sobre os abusos e excessos cometidos pela PM durante uma manifestação ocorrida naquela cidade dois dias após a morte da jovem.
Dois vereadores também denunciaram a PM que na ocasião da repressão á manifestação estava sob as ordens do próprio comandante do destacamento de Estreito, o Tenente Coronel Brito, também ouvido pela Comissão na audiência pública de Campestre.
Um festival de ilegalidades e depoimentos desencontrados que expõe a fragilidade do aparelho policial do Maranhão
Tamires Pereira Vargas, 19 anos, tocantinense, moradora da Rua da Torre, Campestre-MA, foi encontrada enforcada dentro de um corredor que dá acesso as celas da delegacia da cidade de Porto Franco. Segundo o relato dos policiais, ela foi presa no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, durante uma briga em uma festa de carnaval na cidade de Campestre.
Ao ser levada para a delegacia do município vizinho, ela foi colocada no corredor da unidade. Um preso que cumpre regime semi-aberto foi obrigado a se retirar do local e ao levar consigo a rede, ele teria deixado as cordas, que segundo a versão policial foi utilizada por Tamires para cometer o suicídio através de enforcamento, versão que é veementemente contestada por amigos e familiares da jovem que acreditam piamente que Tamires foi assassinada.
Durante a audiência pública ontem, os depoimentos em geral foram muito desencontrados, no que diz respeito a horários entre a prisão, entrega na delegacia até o momento da morte e o estado em que ela entrou na prisão. Até o laudo do IML foi contestado pela família de Tamires.
O Laudo do Instituto de Criminalística também deixa dúvidas em relação a situação em que Tamires foi encontrada, com a corda no pescoço e com os joelhos firmados no chão.
O carcereiro afirma que recebeu Tamires e pessoalmente a encaminhou até a o corredor fechado onde a deixou trancada. Já os presos da cela que tem visão para o local informaram que ela teria sido levada ao xadrez e lá literalmente jogada pelos policiais militares, momento em que com a mão no baixo ventre teria exclamado: “Eles me arrebentaram, acabaram comigo”.
Ainda segundo os presos a mesma teria depois se arrastado até a entrada da cela em que se encontravam e pedido água para lavar os olhos, informando que estava sem enxergar devido ao spray de pimenta atirado pelos policiais. Demonstrando desorientação teria perguntado onde estava sendo informada por eles que ela se encontrava na delegacia de Porto Franco.
Segundo os presos, depois de lavar os olhos, Tamires se arrastou chorando até o fundo da cela improvisada em que se encontrava e só depois de alguns minutos sem que ouvissem choro, ao olharem por um espelho posicionado propositalmente descobriram que ela estava de joelhos com uma corda no pescoço, quando então gritaram chamando o carcereiro.
Quanto ao laudo do IML, este não teria identificado escoriações ou hematomas nas coxas de Tamires, fato que segundo a família foi comprovado através de fotografias feitas antes de o corpo ser levado para o cemitério. Ao ser ouvido pela Comissão o diretor do IML, Alair Batista, contestou a informação e defendeu a tese de que Tamires realmente cometeu suicídio, uma afirmação no entender de alguns como precipitada, uma atitude profissional que não se sustenta na tanatologia forense.
Ilegalidades
Ao chegar à permanência da delegacia, segundo os policiais e o carcereiro, foi feito um Boletim de Ocorrência, BO.
Os quatro PMs e o carcereiro afirmaram que Tamires estava calma, de cabeça inclinada para baixo e apenas chorava baixinho se recusando a responder aos policiais que perguntaram seu nome e depois mandaram que ela retirasse braceletes e uma pulseira, no que segundo eles ela apenas sem levantar a cabeça estendeu o braço para que fosse retirado o bracelete.
Perguntados se Tamires estava bêbada, os policiais e o Carcereiro disseram que aparentemente ela havia bebido, mas que não parecia embriagada.
Detida por “desacato a autoridade”, crime de menor potencial ofensivo, uma vez que a pena máxima não supera a dois anos - nesses casos lavra-se um Termo Circunstanciado de Ocorrência, TCO, e a pessoa é liberada para responder em liberdade, quase sempre sendo condenada a cumprir penas alternativas – Tamires deveria, logo em seguida ser entregue ao delegado, que por sua vez faria o TCO e a liberaria. Quando a pessoa detida está alterada ou mesmo embriagada, leva-se então para um local ali para que, ao passar a embriaguez, seja finalmente apresentada ao delegado. Mas este não era o caso de Tamires.
Então, por que ela foi levada para uma cela?
Segundo o Carcereiro por que o delegado de plantão estava dormindo. Questionado pela comissão o delegado, Jackson Farias de Jesus, confirmou que estava dormindo, mas naquele horário já havia terminado o seu plantão, que não havia ido embora para Imperatriz porque existe uma determinação superior que só deve deixar o plantão com a chegada do outro delegado plantonista que iria lhe substituir o que não havia acontecido até as quatro da manhã, quando o Carcereiro lhe acordou para informar que Tamires estava morta.
Incontinenti, a deputada Eliziane Gama perguntou ao delegado Jackson se este considerava então que nesse sentido era o responsável pelo plantão, no que o delegado respondeu afirmativamente.
Vejam que Jackson deveria estar acordado, em plena atividade, exercendo o seu plantão. Então, por que os policiais ou o Carcereiro não acordaram o delegado para que ele cumprisse o seu dever?
Estariam os policiais, numa espécie de vingança pelo “desacato á autoridade” querendo punir Tamires, jogando-a numa cela improvisada, um corredor putrefato de uma delegacia, sem cama, sem banheiro, enfim sem as menores condições de abrigar uma mulher?
Um fato ainda mais constrangedor acabou sendo descoberto durante a audiência pública. O Carcereiro Luiz Magno, um homem franzino, quase esquálido, aparentando menos de 30 anos, não é policial civil, agente ou funcionário do estado. Confessou que era um simples contratado da Prefeitura de Estreito do Maranhão e que estava ali porque a delegacia daquela cidade havia sido interditada e os detentos de lá transferidos para a delegacia de Porto Franco.
Vejam a ilegalidade, um homem sem nenhuma preparação para a função que exerce, tomando conta de uma delegacia lotada de presos, numa permanência, em pleno carnaval, agindo como policial civil, delegado e Carcereiro. Questionado pelos deputados se ele se considerava preparado para aquela função, Magno desatou a chorar, dizendo que está com problemas para dormir, pois ao fechar os olhos tem pesadelos e vê a imagem de Tamires de joelhos enforcada.Finalizando, o caso Tamires é mais um entre muitos por esse Brasil a fora. É mais um no Maranhão em que inevitavelmente não há como não responsabilizar o estado.
As comunidades de Campestre e Porto Franco, acostumadas com os abusos e crimes da polícia ao longo de décadas, acreditam que Tamires foi morta na delegacia ou pelos PMs que a levaram. As investigações da polícia civil e o laudo da medicina legal dizem que não.
Mas eu digo que sim!
Não que a PM, o franzino Carcereiro Magno, o preso “Helicóptero” que indiretamente forneceu a corda ou qualquer outro detento tenha deliberadamente esganado, sufocado Tamires ou colocado à força a corda em seu pescoço e puxado.
Mas, indiretamente, a mataram quando lhe atiraram pimenta nos olhos e depois por um improvável “desacato a autoridade” lhe levaram a uma delegacia e a colocaram numa cela imunda, ato compactuado por um carcereiro ilegal e um delegado relapso que dormia no plantão.
Juntando os PMs que levaram Tamires e a Polícia Civil que a recebeu e não manteve a sua integridade física, a sua vida, chega-se a uma junção de responsabilidades e encontramos o nome do assassino de Tamires, o ESTADO.
Ai não quero responsabilizar governos, pois o crime não aconteceu apenas hoje. E talvez fatos dessa natureza não deixem de acontecer pelos próximos anos, até a sociedade encontrar um estado de consciência mais elevado em todos os níveis.
A manifestação do povo de Campestre, duramente reprimida sob o comando do Tenente Coronel Brito – mais uma vez o ESTADO contra o povo – e a vinda da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, talvez não consigam trazer á luz o que realmente aconteceu com a jovem Tamires, desde a hora em que ela foi presa em Campestre até ser anunciada como morta em Porto Franco, mas servirá para que a outras Tamires não sejam sacrificadas - direta ou indiretamente – por aqueles que têm o dever de garantir segurança e proteger a sociedade.